17 de jul. de 2009

o último andarilho.



abriria o portão de casa e seguiria andando. desimportava se lá fora encontraria a claridade ofuscante de um dia ensolarado ou se sentiria na pele o arrepio do escuro vento noturno.

seguiria, como quem está ciente de onde quer ir mas ainda não sabe do caminho. e seus passos seriam solitários – sua rota tão imprecisa. andaria. seus ancestrais se mutilaram erguendo-se do chão em que estavam ajoelhados para que, agora, desfrutasse do privilégio de andar. gerações e gerações sacrificadas no exercício de ficar em pé.

e sabia que palavras foram criadas somente para a mentira. mas de seus lábios não escapariam inverdades. calaria-se então. todas as vidas presas no elo de uma corrente que somente se encerrou quando ele deu seus primeiros passos fortes e, mantendo-se à caminho de lugar algum, ergueu sua coluna, tornando-a ereta e direita.

do solitário andarilho, ninguém veria a fronte. da garganta do andarilho, ninguém ouviria um sussurro. veria, em seu precioso mutismo, o mundo além da casa que agora abandonava. enxergaria – no segredo das coisas que nunca poderão ser partilhadas. coisas suas. percorreria seu íntimo e secreto universo, pé por pé, passo a passo, num ritmo lento e lancinante, crescente e sem pressa. sua jornada contrariava premissas: não iniciava no primeiro passo. ela começava num tropeço.